segunda-feira, 18 de abril de 2011

Recebir este texto de uma amiga Roberta Araujo por e-mail.
Achei muito interessante, principalmente nos dias d hj que a mídia impulsionou a sociedade a adotar um padrão de beleza física esquecendo a importância de avaliar e valorizar a beleza moral, interior do ser humano.

Dia desses, ao entrar em um restaurante,  vi uma enorme mesa preparada para dezessete pessoas. Naquele momento havia apenas duas mulheres de meia idade sentadas bebericando um vinho e comendo crostinis, polenta com funghi ou lingüiça calabresa, antepastos. 
Comecei a almoçar e elas foram chegando até ocuparem as dezessetes cadeiras. Perfumadas, em vestidos de verão, sorriam, falavam alto, se abraçavam, felizes. Cada uma trazendo um pequeno pacote, via-se que era um presente.
Portanto, um aniversário. Então, uma coisa me chamou a atenção. Elas eram feias. Nenhuma daquelas mulheres faria um homem voltar o olhar na rua. Uma tinha os olhos baixos, a outra o nariz enorme, a terceira uma boca tão fina que mal se via o risco dos lábios, e havia orelhas grandes, pescoços compridos, ou curtos demais, queixos saliente, um pinta debaixo dos olhos, ombros curvados, tiques nervosos. Desajeitadas, desengonçadas, sem graça. Ocorreu-me um pensamento maldoso: seria a convenção das feias do bairro?
          Em dez minutos, falavam, riam, uma cantou uma canção que levou todas a aplaudirem, outra comentou: “com essa voz e esse jeito, você conseguiu o Amaury, que ninguém até hoje tinha conquistado, o Raj do escritório”. Diga-se que o Raj do Caminho das Indias, é a bola da vez entre as mulheres.  
Casos começaram a vir à tona, e nós, das outras mesas, ouvíamos, mas não nos incomodavam, eram histórias bem humoradas, sarcásticas, irônicas, pitorescas. À certa altura descobri que todas eram aniversariantes e estavam trocando presentes. Como era número impar, uma ia sobrar. Não sobrou, uma pensou e levou dois presentes.          Terminei meu almoço, pedi um café, dois, uma grapa (se Ophir, meu médico ler isso!), fui ficando.
Sorte a minha, uma das mulheres se levantou e foi ouvida em silêncio. “Estamos aqui, porque é o primeiro dia da nossa decisão de jogar fora. Atirar ao lixo coisas e lembranças inúteis que ocupam espaço em nossas casas e cabeça. Cada uma tem um objeto, um momento. Viemos  dispostas a abrir espaços, construir vazios para abrigar coisas novas,  boas, que não nos amarrem, nem nos deixem patinando na vida. Liberar a mente do freio de mão.”
 Passamos a ouvir trechos de histórias, anedotas, aventuras, sonhos frustrados,  conquistas bem sucedidas, micos, elas tinham uma incrível noção do ridículo do mundo, e ríamos também, e nos admirávamos com tanta sinceridade e coragem, elas não estavam nem aí para os outros, partilhavam momentos especiais bons e ruins, amargos, trágicos. Não havia lamento, frustração, ressentimento, magoas.
De repente, percebi que elas não eram feias, aqueles pequenos defeitos que anotei, iam desaparecendo,  como no trabalho de fotoshop do computador,  apagados por qualidades raras, dificeis hoje em dia, as do desprendimento, do humor, da brincadeira, do não levar a sério a vida e as confusões da vida, riam dos enganos, insucessos, erros, sabiam da pouca importância de tudo isso. Aquela lição me envolveu, o importante não era feiúra ou beleza, e sim a capacidade de ser, estar aberto, gostar da vida, se alegrar, mostrar prazer e empenho na possibilidade de mudar, avançar, cancelar amarras, grilhões.
Rápidos, sutis, os jogos de palavras se sucederam intensos e elas se transformaram como a gata borralheira dos contos de fadas.  Quando me levantei e passei pela mesa, elas erguiam um brinde a alguma coisa. Belas, como se tornaram belas aquelas dezessete mulheres. Ao sair, carregava uma dúvida. Feiura?  Não está na nossa maneira de olhar, em nossos preconceitos, mesquinhezas?  
Afinal, o que é um rosto?  Como desvendá-lo?  

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